Arnaud Mattoso – Jornalista e escritor

O termo “Veneza brasileira” é usado como referência aos rios e afluentes que cortam a cidade do Recife. Vistos de cima, como material de folder turístico para vender a cidade, é ótimo. Funciona que é uma beleza. Mas os rios Capibaribe e Beberibe de perto não são belos como nas fotos. São imundos, sujos, poluídos. É triste, mas é a realidade. E, apesar de tudo, em alguns trechos ao longo de suas margens e águas, algumas espécies de animais resistem contra a insanidade humana.

Nesta fauna improvável há capivaras, jacarés, peixes e siris. Mas por que esses animais não fogem deste ambiente degradado pelo “cerhumano”? Talvez porque lhe restem esperanças de que um dia esta estranha espécie bípede evolua e pare de jogar lixo nas águas escuras que cortam a cidade.

“Nos 30 quilômetros que se estendem da Várzea ao Centro do Recife, considerando 15 quilômetros em cada uma das margens, pelo menos sete espécies de répteis, nove de mamíferos, 40 de aves, dez de crustáceos-moluscos e 24 de peixes habitam o Capibaribe e sua orla, desafiando poluição e lixo”.

Esta informação consta nos estudos Projeto Parque Capibaribe, da Prefeitura do Recife, que prevê a urbanização das margens com menos agressões e mais interação entre a espécie humana e os rios do qual o cidadão recifense deu às costas (releia João Cabral) e, agora, tenta olhá-lo de frente.

“O Capibaribe abriga jacaré-de-papo-amarelo (Caiman latirostris), réptil ameaçado de extinção; lontra (Lutra longicaudis); a minúscula andorinha-do-rio (Tachycineta albiventer); e ninhais onde a vegetação é castigada. A despeito do esgoto sem tratamento despejado no rio, há peixes como camurim (Centropomus spp.) e carapeba (Eugerres brasilianus) em toda a extensão do futuro parque”.

Sejamos otimistas e imaginemos um futuro promissor para a cidade do Recife, onde gestores públicos municipais realmente se interessem em investir para tornar o Rio Capibaribe navegável, limpo e como parte importante da cidade, não apenas com material de folder turístico em fotografias aéreas e passeios lúdicos em catamarãs para fotografias e selfies.

Este desafio gerencial passa pela tomada de consciência da sociedade como um todo e, em sua maior parte, da população que reside nas periferias às margens dos rios e canais. São inúmeras invasões de barracos e construções de alvenaria que se aglomeram sobre a lama dos manguezais ou às margens em trechos que deveriam ser preservados.

De acordo com leis ambientais federais, deveria haver margens livres (*) ou ocupadas com equipamentos públicos, de uso compartilhado e com benefícios sociais, ambientais e econômicos para toda a sociedade.

A realidade está longe disso e o projeto social Recife bom para viver, realizado pelo Partido Verde de Pernambuco, tem constatado este fato. Até dezembro de 2015, quando foram percorridos mais de 60 quilômetros em microrregiões do Recife, o levantamento de dados, informações, personagens e cenários mostram problemas crônicos se perpetuando e sendo “jogados para baixo do tapete”.

“Nas caminhadas visitamos bairros e comunidades da cidade, falando com as pessoas, ouvindo a população para entender suas demandas, necessidades, tentar entender e encontrar novas soluções para problemas antigos”, avalia Carlos Augusto Costa, presidente do PV em Pernambuco (PVPE) sobre o projeto Recife bom para viver.

“É um desafio para a gestão pública resolver situações de moradias insalubres na beira de rios e canais imundos. Formar uma nova cultura onde as pessoas percebam que jogar lixo nas águas que cortam a cidade é prejudicial à própria sociedade da qual elas fazem parte, mas estamos prontos para enfrentar este desafio”.

O mais difícil talvez deste “desafio gerencial” seja a mudança de cultura na sociedade. O “olhar cidadão” sobre a cidade e a responsabilidade individual de cada um em preservar patrimônios comuns. “A ideia de que o espaço público não é de ninguém foi constatado nas visitas”, explica Carlos Augusto, remetendo a uma ação na Comunidade Santa Luzia.

Neste local, onde as margens dos rios estão ocupadas por invasões, o PVPE juntou-se a alguns moradores da Comunidade para ocupar o espaço livre que restava com plantas e equipamentos simples. “Esta ação evitou que o espaço que restava fosse invadido”, garante Carlos Augusto.

Retornando ao Parque Capibaribe, projeto importante da Prefeitura do Recife, mas que não avança por diversos fatores, fica a lição da Comunidade Santa Luzia: ocupe de maneira simples, a partir de equipamentos que segurem as invasões enquanto a burocracia de estado impede a execução de projetos grandiosos, custosos e que vivem e morrem em discursos políticos vazios.

(*) Tal entendimento se faz presente na Constituição Federal de 1988, que dispõe sobre a obrigatoriedade da função social da propriedade (art. 5º, XXIII), implicando na obrigação de respeito à natureza quando de seu uso e exploração. Na verdade, é isso uma ampliação do capítulo do Código Civil anterior que tratava do direito de vizinhança, já que na modernidade esse conceito perdeu a significação restrita de contigüidade passando a abarcar toda a comunidade local, regional, nacional e, por vezes, internacional[2].

O Código Florestal proibiu a supressão de florestas e as demais formas de vegetação e a limitou a exploração econômica nos lugares referidos pelo art. 2º como área de preservação permanente. De acordo com Paulo Affonso Leme Machado[3], o dispositivo em comento pode ser dividido em dois grupos: o primeiro tem por objetivo proteger os recursos hídricos, estando contido nas alíneas a, b e c, e o objetivo do segundo é proteger o solo, conforme as alíneas d, e, f, g e h:

Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:

a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será:

1 – de 30 (trinta) metros para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura;

2 – de 50 (cinqüenta) metros para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinqüenta) metros de largura;

3 – de 100 (cem) metros para os cursos d’água que tenham de 50 (cinqüenta) a 200 (duzentos) metros de largura;

4 – de 200 (duzentos) metros para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;

5 – de 500 (quinhentos) metros para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;

b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d’água naturais ou artificiais

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